terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Procissão do Deus Serpente em Jacareí


Saludos!

No dia 21 de Agosto (domingo agora) a Fundação Cultural de Jacarehy realizará a segunda edição do "Cortejo da Cobra Grande", pelas ruas da cidade. Trata-se da revivescência de um antigo mito indígena local (que inclusive é recontado em outras cidades do Vale), sobre um Deus Serpente gigante, que recebia das tribos locais o sacrifício de moças virgens. Um dia, um dos guerreiros da tribo se apaixonou por uma virgem sacrifical, e resolveu lutar com o Grande Cobrão,até que conseguiu matá-lo. A Tradição diz que Ele era IMENSO, tanto que ao se jogar Seu corpo ao chão, este afundou, formando um grande vale...e quando vieram as chuvas, estas encheram o fundo da depressão, formando o Rio Paraíba do Sul (esta lenda explica o formato serpentiforme do rio).

Outra lenda conta que o corpo desse Grande Serpenteão foi cortado, e que as partes foram enterradas em determinados locais daqui de Jacareí, onde foram erguidas igrejas: a cabeça na Igreja Matriz, o corpo na Igreja de São Sebastião (no bairro Avareí), o rabo (cujo simbolismo fálico é enaltecido na lenda) na Igreja de Nossa Senhora Aparecida (que fica na beira do rio, e que é o local onde, segundo outra lenda, teria sido atirada uma imagem da Virgem Maria ao rio, justamente para aplacar a Fúria do Serpenteão - e que é uma releitura simbólica do sacrifício das virgens indígenas de antigamente. Segundo contam, também pode ter sido esta imagem em específico que foi levada pelas águas até a região da atual cidade de Aparecida, onde noséculo XVII a imagem da santa foi resgatada das águas, fazendo milagres) e as patas do DeusSerpente foram enterradas debaixo da Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso (o que nos leva à constatação que se tratava de um Dragão...). Há controvérsias sobre os locais exactos onde teriam sido enterradas as prtes do Serpenteão, mas o que fica registrado é que se trata de lenda muito antiga, e que até hoje, é tabu para muitas pessoas (principalmente ligadas à Igreja Católica...sabemos o porquê....).

A pergunta que não quer calar: e o que tal tradição tem a ver com as tradições ibéricas?

Não me aprofundando nas questões referentes a descendência cultural ibérica em nossa Terra Brasilis, sabemos que a Serpente é mitema corrente na iconografia ibérica: seja em Portugal e as serpentes que surgem esculpidas nos pórticos das igrejas, seja nos mitos dos Deuses Serpentes Sugaar e Herensuge dos bascos, entre tantos outros...

Falando sobre a procissão em si:

No dia 21 de Agosto (domigno agora) haverá uma procissão onde o mito do Serpenteão será relembrado e revivido, com um grande boneco de tecido movido por pessoas dentro dele, queandará pelas ruas da cidade, acompanhado de tambores e muita animação. É um Grande Festival Pagão de Nossa Terra, que deve com certeza ser prestigiado!

Abaixo, maiores detalhes do evento:

Cortejo da Cobra Grande

Data: 21/08/2011

Horário: 15:00h às 17:00h;

Local de partida: Museu de Antropologia do Vale do Paraíba (MAV), sito à Rua XV de Novembro, 143, centro;

Haverá a participação do Grupo de Percussão do Ponto Sapucaia.

Estão todos convidados!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sorginkeria: Bruxaria Tradicional Basca


“Donostiarrák ekarridute
Guetariatyk Akerra
Kanpantorrian ipiñidute
Aita Santutzát Dutela...”


- Cântico de invocação de Akerra, o Deus Bode ( 1 ).

O País Basco, ao norte da Espanha, chamado Euskadi ( uma região politicamente autônoma, mas não totalmente independente ) possui uma cultura única não só na Europa, como no Mundo, por motivos que dividem até hoje não só historiadores como estudiosos de outras áreas. Compõe, junto a demais províncias, a chamada “Euskal Herria” ( A Grande Nação Basca ), envolvendo todos os territórios de cultura e tradição basca, divididos em dois blocos: Hegoalde, o “País Basco Peninsular”, com suas províncias: Biskaia, Áraba, Nafarroa Garaia e Gipúzkoa; e Iparralde, o “País Basco Continental”, do outro lado dos picos pirenaicos, já no sul da França, composto pelas províncias de: Zuberoa, Lapurdi e Nafarroa Beherea. O povo basco é o mais antigo do continente europeu, anterior às invasões indo-européias, e mantém, até hoje, o mesmo idioma falado há mais de 4 mil anos: o Euskera. Uma outra peculiaridade dos bascos está em suas lendas e mitos: apesar de manterem crenças em elementais da natureza, como outros povos, os bascos mantém uma relação com tais Espíritos bem mais próxima e natural. Rituais e oferendas aos Gauazkuák ( "Os da Noite", seres mágicos guardiões dos Antigos Mistérios ) são comuns, e até hoje, as Sorgiñák ( Bruxas, em euskera ) celebram o Akelarre ( "Prado do Bode": culto Feiticeiro ao Deus Bode ) naquelas terras. As Sorgiñák são, na verdade, o elo entre os Gauazkuák e os Eguniekuák ( "Os do Dia", compreendendo as pessoas comuns, os não-Bruxos ); essa qualidade limiar faz das Bruxas Bascas seres, ao mesmo tempo, naturais e sobrenaturais.

Nos Akelarres são cultuados os Ireluák ( Espíritos ), tais como: Egoarák ( os Ventos, Filhos da Sorgiña Aizia ); Mamurrák ( os Insetos, muito prestativos, trazem a Boa Sorte ); Gaueko ( Deus da Escuridão, Senhor dos Mistérios, que castiga todo aquele que ousa menosprezar a Noite ); Inguma ( Senhor dos Sonhos, que é saudado com uma oferenda de um jarro de água debaixo da cama, proporcionando sonhos premonitórios...já àqueles que o desagradam, causa pesadelos terríveis ); Iratxoák ( Duendes ); Jentilák ( os Gigantes pré-históricos, que viviam nas terras altas e não conheciam o ferro. O mais conhecido deles é o Olentzero, que traz presentes na noite do Solstício de Inverno – possível origem do Papai-Noel ); Mairuák ( Gênios construtores dos cromelechs, os círculos de pedras ancestrais ); Lamiák ( Ninfas ou Fadas que vivem junto às águas e em grutas subterrâneas, são tidas como construtoras de pontes ); Mamarro ( Duendes travessos, mas que podem servir ao ser humano ); Sán Martín Txiki ( São Martin Pequeno, que se trata do espírito de um padre católico, incorporado pelas crenças medievais sincréticas das Sorgiñák como um elemental a mais ); Galtxagorriák ( “Os de calção vermelho” ) e os Gorritxikiák ( “Os Vermelhinhos” ), também são duendes que auxiliam o trabalho doméstico das pessoas; Basaiaun e Basandréd ( Senhor e Senhora dos Bosques, protetores das florestas ), Ilargia Amandréd ( Avó Lua ), Deusa Ancestral, assim como Amalurra ( a Mãe Terra ); Ortzi ( Deus celeste, Senhor dos raios ); Janicot ( Deus do Akelarre, uma das personificações do Deus Bode ); Benzózia ( a Diana dos bascos, Deusa da Lua e da Magia ); Ehistari Beltza ( “O Caçador Negro”, Deus das Florestas, associado ao celta Gwyn Ap Nudd, ou Herne o Caçador ); Jainkoaren Bégia ( o "Olho de Deus", Espírito Solar, mais tarde cristianizado ), entre muitos outros...

Mas, acima de todos, as Sorgiñák cultuam Mari, a Grande Deusa Bruxa, Senhora das Tempestades e Soberana da Terra, que habita nas Coevas ( grutas subterrâneas ) das montanhas, junto das Lamiák. Mari é representada pela Joaninha ( Marigorri: Mari a Vermelha ), e é venerada junto a seus maridos Divinos: Akerbeltz ( Bode Negro, em euskera ), Deus Chifrudo das Bruxas Bascas, Senhor da Vida e da Morte, Grande Mestre do Akelarre, que traz a Luz da Sabedoria ardendo entre os Seus Chifres; Sugaar, ou Sugoi ( também chamado Maju ), Deus Serpente com quem Mari se une sexualmente nos Céus, para produzir tempestades; e Herensuge, Deus Serpente de várias cabeças, muito invocado como benfeitor dos seres humanos. Mari também é chamada de Anbotoko Sorgiña ( a Bruxa do Monte Anboto ), Basko Marie ( Mari do Bosque ), entre outras denominações, e é tida como a Senhora das riquezas da Terra. Ela recebia oferendas de carneiros ou moedas para a obtenção de graças ou para proteção contra as tempestades, já que era a Senhora das Tormentas. É a Rainha de todos os Espíritos, e possui duas filhas ( em alguns locais, são considerados filhos ): Mikelats e Atarrabi. Mari se apresenta de várias formas: como uma Dama elegantemente ataviada, ou como uma Deusa sobre um carro puxado por quatro cavalos, percorrendo os céus...também aparece como uma belíssima mulher envolta em chamas, voando pelas alturas, ou então coroada pela Lua Cheia...também surge na forma de uma bezerra, de um corvo, ou como uma nuvem branca, um arco-íris, etc. É a Suprema Divindade da Sorginkeria, Deusa que condena a mentira, o roubo, a vaidade exacerbada e fútil, a falta de ajuda mútua. As pessoas acabam sendo castigadas com a privação ou a perda do que foi objeto de mentira e usurpação. Mari se abastece à conta dos que negam a verdade e dos que afirmam mentiras: ezagaz eta baiagaz ( abastece-se com a negação e com a afirmação mentirosa ).

As crenças mágicas das Sorgiñák são profundamente animistas, e se baseiam na relação entre o material ( berezko ) e o espiritual ( aideko ). Berezko é de característica manifesta, externa, enquanto Aideko é visto como latente e interior. Essa dualidade, sempre presente na Sorginkeria ( a Noite e o Dia, os vivos e os mortos, a Lua e o Sol, etc. ), está presente também no conceito de Adur e Indar, que é a base da compreensão de Mundo dos antigos bascos. Adur é o potencial latente de alguma coisa ou ser vivo, enquanto Indar é seu poder manifesto e ativo. A Feitiçaria, segundo as Bruxas e Bruxos Bascos, é exercida através de tais conceitos, que ensinam que tudo pode ser conectado ao Irelus ( Espírito ) de algo ou alguém pelo Adur e pela semelhança.

A Feitiçaria das Sorgiñák envolve práticas de magia simpática ( “semelhante atrai semelhante” ) em que moedas representam aqueles que serão enfeitiçados, através dos rostos humanos ali cunhados. Tais moedas são lançadas ao fogo. Também se utilizam de plantas e árvores consideradas sagradas, como o carvalho ( Aritza, símbolo da Força e resistência do Povo Basco ); a flor do cardo ( Eguskilore, ou “Flor do Sol”, em euskera ) que é pendurada na porta de casa, pelo lado de fora, para manter a presença do Sol, mesmo durante a Noite, afastando assim, os Espíritos malignos; o espinheiro ( Elorri ); o loureiro ( Ereñoa ); a faia ( Pagoa ), etc. Animais como o bode ( Akerra, o Deus das Bruxas ), a joaninha ( Marigorri, símbolo de Mari ), a abelha ( erlea, que é pecado matar ), o asno ( Asto ), entre outros, desde sempre foram considerados sagrados pelas Sorgiñák.

Há também uma crença forte no poder do Begizko ( Mau-Olhado ), considerado um Dom malévolo próprio de determinadas Bruxas. Para combater o begizko, a Bruxaria Basca ensina a confecção dos kuthunák ( bolsinhas de pano com ingredientes mágicos dentro ), usadas penduradas ao pescoço ( são principalmente recomendadas às crianças mais novas e bebês de colo, que são vítimas mais comuns do Mau-Olhado ). Tais amuletos continham elementos já conhecidos, tais como o alho e a arruda, assim como também pedras, corais, pedaços de cordão umbilical e, até mesmo, excremento de galinha. Objetos como cartas de baralho e bolas de cristal, popularmente associados às Artes Divinatórias, são utilizados em sortilégios e rituais mágicos. Também se utiliza carvão, figas, ervas como estramônio, beladona, e animais como o sapo ( tais ervas, assim como o veneno do sapo, são empregados em ungüentos de vôo das Bruxas ).

O sapo também é utilizado em malefícios. Segundo o relato dos antigos, tais feitiços e poções maléficas eram feitos nos Akelarres, com a supervisão do Mestre Negro. Pós Maléficos Enfeitiçadores eram embrulhados na pele de um sapo e enviados à pessoa que se desejava matar. Tais Pós Maléficos eram feitos com ingredientes mágicos, cuja colheita e preparação eram conduzidas pelo Grande Akerbeltz, personificado por um Bruxo de Alto Grau, chamado El Maestro, o Mestre Negro. Esses filtros malignos eram espalhados pelos campos daqueles que deviam ser amaldiçoados. O Mestre do Akelarre indicava a seus acólitos o dia propício, ordenando aos Bruxos para irem em equipes em busca dos elementos que compõe o Feitiço: sanguessugas, sapos, cobras, lagartos, lesmas, caracóis e peidos-de-lobo ( pequenas bolas que crescem na terra, como túberas, e de onde sai um pó cinzento quando apertadas ). Os Sorgins traziam os ingredientes para casa, de madrugada, e com eles, preparavam os venenos. A poção, que era feita no Akelarre, ou mesmo em suas casas ( mas sempre com a supervisão do Mestre Bode ), possuía poderes de dessecação e morte. Ao terminarem a confecção do veneno, os Bruxos deixavam o Akelarre, sob a forma de animais, e com o Bode Negro à frente. O Sorgin Miguel de Goyburu disse que levava o caldeirão dos pós maléficos, os quais eram espalhados nos lugares condenados, enquanto o Mestre Negro dizia: “Pós, pós, que tudo fique perdido!”, ou então: “Que metade fique perdida”. E as Sorgiñák e Sorgins mais experientes, iam repetindo: “Que tudo fique perdido ( ou metade somente ) e que meus bens fiquem a salvo!”. Os Bruxos evocavam o Vento Egoya, que soprava do sul no início do Outono, para espalhar os males pelos campos dos inimigos. Mas muitos malefícios são feitos com objetos simples e cotidianos, tais como as já citadas moedas, ou mesmo, com velas. As Sorgiñák lançam maldições acendendo velas, que são consagradas e batizadas com os nomes daqueles que desejam castigar, enquanto conjuram o Fogo, fazendo com que pereçam junto com a cera que lentamente se esvai, consumida pela chama...

Quando da cristianização das terras bascas, os párocos cristãos realizaram sermões condenando as práticas pagãs. Isso pouco alterou a vida das Sorgiñák, que permaneceram com os ritos da Tradição. Todas as Famílias Bascas mantinham rituais e costumes antigos em suas casas, como o de saudar os Espíritos Ancestrais. Parte destes cultos envolvia o sepultamento dos mortos da Família em casa, onde eram venerados como os Lares antigos. A Casa ( Etxea ), era vista não apenas como habitação dos vivos, mas também, como Templo do Culto aos Ancestrais, aos Deuses e Espíritos do Lugar ( Anima Loci ); era o centro de convivência doméstica, mas também o centro espiritual e energético dos bascos. Os padres buscaram evitar que tais cultos continuassem, levando as famílias a sepultar seus mortos em cemitérios, nas terras da igreja. No entanto, os cultos pagãos permaneceram dentro de casa, conduzidos pela Etxeko Andréd ( Senhora da Casa, de "Etxe" = Casa; e "Andréd" = Senhora ). Os padres católicos se viram, então, obrigados a ceder espaço em suas igrejas para a construção de capelas especiais, chamadas Yarleku, pertencentes, cada uma, a um Clã distinto da comarca. Os rituais Pagãos das Bruxas Bascas invadiram as igrejas cristãs.....Somente a Etxeko Andréd possuía a chave do Yarleku de seu Clã, e apenas ela podia celebrar os ritos ali dentro.

Em Iparralde, no País Basco francês, fica a região do Labourd, conhecida como Terra de Bruxas, tamanha a concentração de Clãs de Sorgiñák naquelas terras. No início do século XVII, as autoridades locais pediram ao rei da França, Henrique IV, que enviasse um inquisidor. Em 1609, o rei manda o então conselheiro do Parlamento de Bordéus, Pierre De Lancre, para resolver o caso. Baseado nos processos inquisitoriais que se seguiram, ele publicou livros sobre o tema, como o "Tableau de L'inconstance de Mauvais, Anges et Démons", o qual faz questão de ilustrar com gravuras, feitas pelo pintor Ziarko. Tais imagens, ao serem vistas pelas Sorgiñák e Sorgins de então, foram por estes reconhecidas como retratos de suas tradições e rituais de Bruxaria ( assim como ocorreu com as Streghe Italianas, ao verem as gravuras que Francesco Guazzo imprimiu em seu livro, “Compendium Maleficarum”, escrito com a pretensão de denunciar as práticas Bruxas ). Com a chegada de De Lancre, grandes caravanas de Famílias de Bruxas atravessaram os Pirinéus, indo dar os costados em terras de Espanha e Baixa Navarra. Muitos deles alegavam estar peregrinando aos santuários cristãos de Montserrat ( Catalunha ) e de Santiago de Compostela ( Galiza ). Muitas dessas Famílias de Bruxas se fixaram por toda a Espanha, ou mesmo partiram para o Novo Mundo, se assentando em países como Canadá e Argentina, onde até hoje, existem descendentes dessa Diáspora Basca.

Um dos Sorgins ( Bruxos bascos ) mais conhecidos da História de Euskal Herria foi Johanes de Bargota, que viveu no século XVI. Bargota se formou padre em Salamanca, onde também foi iniciado na Coeva de Bruxos local. Retornando ao País Basco, buscou o intercâmbio junto às Sorgiñák, sendo iniciado nos Mistérios do Akelarre do Monte de Oca, pelas mãos da Bruxa Endrogotto. Foi o primeiro a registrar ensinamentos mágicos da Sorginkeria, a Bruxaria Basca, que influenciaram muitas Tradições da Arte, inclusive a Wicca moderna. É atribuído a um manuscrito de Bargota, que teria sido mostrado a Gerald Gardner, a criação de textos de seu Book Of Shadows, como a sua versão de A Runa das Bruxas, que teria sido originalmente, escrita pelo Bruxo Bargota. Mesmo frequentando o Akelarre, ele não deixou de celebrar a missa na igreja local. Era comum vê-lo perambular pelas ruas de seu vilarejo, logo de madrugada, retornando do Monte de Oca, a caminho da missa dominical. Ele adorava o Bode Negro no Akelarre, durante a noite, e adorava o Cristo Branco na Missa, durante o dia. Depois de ser denunciado às autoridades eclesiásticas, foi preso pela Inquisição de Logroño, junto com outros acusados de Bruxaria. Johanes, no entanto, foi poupado da morte na fogueira, mas teve usar um sambenito ( espécie de túnica ), onde se lia "Diós perdonad al nigromante" ( Deus perdoe o feiticeiro ), o que era um motivo de escárnio, uma vergonha, ainda mais para um padre. Johanes teve também toda sua biblioteca de livros de Magia, Necromancia e Conjuros queimada pelos inquisidores... diziam as gentes de Bargota que, junto com os livros, se esvaiu consumido pelas chamas o Bruxo, permanecendo o clérigo... mas, até o fim de seus dias, Johanes lembrou com lágrimas nos olhos dos tempos em que voava livremente até o Akelarre do Monte de Oca, ou o Akelarre às margens do Rio Ebro, montado em uma nuvem magicamente conjurada, que o transportava pelos ares... e foi justamente a imagem do Bruxo Johanes que permaneceu viva pelo correr dos séculos, figurando inclusive no Brasão da cidade de Bargota; Outras Sorgiñák, no entanto, foram mortas nas fogueiras, entre elas, Necate de Urrugne, presa por De Lancre, e que era tida como Maestra de um Akelarre muito freqüentado; também Jeanette de Belloc ( chamada Atsoua, “A Velha” ), assim como Oylarchahar e Marie Martin de Adamcehorena, igualmente presas pelo inquisidor; E assim como também Maria Miguel de Orexa, Bruxa Basca do século XVI. No vale de Araiz, em 1559, Maria Miguel de Orexa, de 26 anos, foi submetida a cuidadoso interrogatório, pelo qual se apurou que ela tinha sido iniciada na Bruxaria por sua avó, aos 10 anos de idade. A anciã estava à beira da morte: a Tradição afirmava, então, que uma Sorgiña não poderia deixar este mundo sem transmitir suas aptidões, seu Dom, a outra pessoa. Maria Miguel contou que tinha sido levada a um Akelarre. Depois de untada com o Ungüento Mágico, voara com 15 outras pessoas, para o local do encontro. Na costa de Urrizola, os inquisidores encontraram duas poltronas, cada uma com uma figura sentada: de um lado, um homem com cabeça de bode e, do outro lado, uma mulher. Maria os identificou como Belzebu e sua esposa. Analisando o nome Belzebu, chegamos ao significado de “Senhor da Terra”, “Senhor do Submundo”, da terra negra, da matéria, das grotas infernais...tais conceitos levam a Akerbeltz, o Bode Negro, Senhor das Bruxas, o Grande Mestre Sabático... E lembremos também que, em se tratando das antigas Bruxas, era preferível entregar-se à morte no fogo, alegando prática satanista anti-cristã, a dizer os nomes de seus Deuses...

A Bruxaria Basca, uma Tradição Ancestral, cujas raízes se perdem na Pré-História, dado que é praticada desde os tempos remotos em que o Euskera começou a ser falado, continuou sendo vivenciada através dos séculos... Preservada da sanha assassina da Inquisição, que curiosamente, chegou a defender as Bruxas ao invés de perseguí-las ( como algumas correspondências da época, entre bispos locais e inquisidores nos demonstram ), a Tradição da Sorginkeria permaneceu viva até épocas bem recentes, como alguns testemunhos modernos nos podem revelar, como este publicado por Julio Caro Baroja em sua obra “As Bruxas e o Seu Mundo”, e que lhe foi relatado por um médico cirurgião de Madrid, nascido em Deva, Guipúzkoa:

- “ Uma noite de Verão, há três ou quatro anos ( cerca de 1929 ), ia eu de automóvel de Deva a Bilbao, pela estrada da encosta. Entre Lequeitio e Ispaster, muito perto desta aldeia, vi no meio da estrada uma forma negra e imóvel, apesar das minhas repetidas buzinadelas para chamar a sua atenção e a afastar da estrada. Só a alguns metros dela reconheci que se tratava de uma mulher. Irritado com a sua atitude, parei e perguntei-lhe em basco: ‘Por que é que não se afasta quando se buzina?’ A mulher ficou um momento indecisa, depois desatando a rir, disse-me: ‘Não vê que estou no Akelarre?’ Mal tinha dito estas palavras, ouvi as vozes de outras pessoas vindo de um prado vizinho, para onde ela se dirigiu correndo. Continuei o meu caminho, sem prestar mais atenção a este incidente.” ( 2 )

A percepção de Mundo das Sorgiñák, as Bruxas e Bruxos do povo basco, é de uma natureza anterior à das civilizações de carácter expansionista-imperialista. Envolve uma forma de viver imersa na Natureza, onde o ser humano é visto como parte Dela, e não como seu suposto “controlador”. Não existem fronteiras entre o material e o espiritual, pois tudo está interligado...e os Deuses e Espíritos, sempre estão presentes, seja nas altas montanhas, nos ventos que cortam o Prado do Bode, nos campos de um verde inesquecível, no Mar impetuoso, nas praias, em sua maioria, rochosas, nas ancestrais florestas de carvalhos....e mesmo nos caseríos ( basérria ) dos antepassados, morada e templo daqueles que já foram considerados o povo mais antigo do Mundo. Para eles, tudo é Sagrado, pois tudo possui alma, e tudo existe, bastando ter nome. Como dizem as Sorgiñák: “Izena zuen guztia omen da” ( Tudo o que tem nome existe ).

A Tradição desse povo ancestral ainda vive, não só na Terra Sagrada de Euskal Herria, como também onde quer que seus filhos e descendentes tenham peregrinado...pois, não importando o quão distante e estrangeira é a terra em que se está, o basco possui uma herança que jamais esquecerá, ainda que não a conheça. Tal como o Carvalho da cidade de Guernica, ao redor de cujas raízes os bascos, desde tempos remotos se reuniam para tomar as decisões mais importantes de seu povo, e que sobreviveu incólume ao bombardeio que destruiu toda a cidade na Guerra Civil, em 1937, essa gente guerreira parece marcar presença não só no início de Tudo, como também viverá pelos séculos sem fim que despontam adelante...E a Força dessa Tradição ecoa não só nas lendas, danças ou ritos mágicos da Sorginkeria....Ela está presente no sangue, na alma e na forma de ser e de viver do povo. Como disse Victor Hugo, um admirador dessa cultura ancestral:

“Nasce-se basco, fala-se basco, vive-se basco e morre-se basco”.

Por: Raven Luques McMorrigú.

Fontes:


"No Antro das Bruxas de Zugarramurdi" – de Gilberto de Lascariz:

www.projectokarnayna.com/bruxaria-hispanica/zugarramurdi


"As Bruxas e o Seu Mundo" – de Julio Caro Baroja – Editorial Vega.

“Bruxaria e História – As Práticas Mágicas no Ocidente Cristão” – de Carlos Roberto Figueiredo Nogueira – Editora Ática.


( 1 ) - “Os de Donóstia trouxeram
um Bode de Guetàry
o puseram na torre do sino
e dizem que é o Santo Padre”

- “Iru Damatxo”, canção popular das Bruxas Bascas.

( 2 ) – “As Bruxas e o Seu Mundo”, pp. 317, 318.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Conjuro da Queimada Celtibérica


Slania tei!

Falei há algumas semanas sobre a tradição da Queimada, que é uma poção mágica galega de raiz céltica, e aproveito o ensejo para apresentar um conjuro que compus, onde são invocados os Deuses celtibéricos e lusitanos, durante o conjuro no ritual da Queimada. A poção pode ser preparada da mesma forma, mudando-se apenas o conjuro:

CONJURO DA QUEIMADA CELTIBÉRICA

"Nesta Noite eu acendo o Fogo,
Misturo as ervas, o mel e a aguardente,
E invoco os Deuses de nosso Povo!
Pelos Ventos,
Pelo Sol,
Pelo Mar e
Pela Terra,
Pelos Deuses Eternos!
E por este Fogo Sagrado,
Eu conjuro os espíritos que vagam e nos enganam e atormentam,
E também os feitiços dos inimigos, a inveja e o mau olhado,
Coisa arriada ou coisa feita,
Coisa enterrada, coisa aguada,
Coisa queimada, coisa soprada,
Coisa dita e maldita,
Coisa amaldiçoada!
Eu vos conjuro!
Fantasmas, espíritos perdidos, revoltados e malignos,
Eu vos conjuro
A vir diante deste Fogo aceso em nome de Bríghida, a Grande Druidesa,
Senhora do Fogo Sagrado,
Conjuro-vos em nome de Lugo nosso Pai, Grande e Sábio Druida, Senhor do Raio que nos abençoa e guia,
Conjuro-vos em nome de Badb, Deusa Soberana, Senhora dos Corvos de Batalha, nossa Mãe, que nos é favorável e nos dá a Vitória,
Conjuro-vos em nome de Nábia, Deusa das Águas que nos purificam e abençoam,
Conjuro-vos em nome de Reva Laraucos, que nos ilumina do Alto Céu,
Conjuro-vos em nome de Bandua e Bandonga, que protegem as Leis de nosso Povo e os Laços Sagrados de nossa Casa e de nossa Gente, que nos unem e fortalecem,
Conjuro-vos em nome de Trebaruna, que protege nossa Casa e nos dá coragem e vigor de Guerra,
Conjuro-vos em nome de Trebopala, que protege o pão nosso de cada dia e nossa comunidade,
Conjuro-vos em nome de Arentio e Arentia, que protegem nosso Povo e a porta de nossa morada,
Conjuro-vos em nome de Drusuna, Ebúrio, Cabar, Carneo, Cepo, Ilurbeda, Vosego, Dana e todos os Deuses e Deusas da Terra,
Conjuro-vos em nome de Aerno, Dercetio, Reva e de todos os Deuses e Deusas dos Ventos e das Alturas,
Conjuro-vos em nome de Candâmio, Vordo, Taránis, Candeberônio, Cosua, Carioceco, Neitos, Banduaetobrigo e de todos os Deuses e Deusas da Guerra, do Fogo e da Luz,
Conjuro-vos em nome de Nábia, Tongoenabiago, Deva, Deganta, Munídia, Coventina, Bormânico, Lir e de todos os Deuses e Deusas de todas as Águas,
Conjuro-vos em nome de Lébo, que os prende e os traz aqui e agora,
Conjuro-vos em nome de Crouga Magareaigo, que os revela diante de nós,
Conjuro-vos em nome de Aturro, Senhor das Chaves do Submundo,
Que abre as Portas da Escuridão e os revela inteiramente, amarrados, vencidos e desmascarados diante de nós,
Conjuro-vos em nome de Endovélico, de cuja Luz e Sabedoria nos vem a libertação de todo mal visível e invisível,
Conjuro-vos pelo Tríplice Poder de Atégina, Senhora da Terra, da Lua e do Submundo,
Que os derrota, os amarra e os traz rendidos diante deste Fogo Sagrado
Aceso em nome de Todos os Deuses de nosso Povo,
Os Deuses que sempre nos são favoráveis!
Eu vos conjuro aqui e agora, ó Força Destruidora da Vida!
Ó vós, Vento Frio da Morte, eu vos conjuro!
Ó vós, Medo Escuro, eu vos conjuro!
Ó vós, Triste doença, eu vos conjuro!
Ó vós, Ferimento Dolorido, eu vos conjuro!
Ó vós, Dor de Amor, eu vos conjuro!
Ó vós, Ferida na Alma, eu vos conjuro!
Ó vós, Má Sorte, eu vos conjuro!
Ó vós, Feitiço Maligno e Inimigo, eu vos conjuro!
Ó vós, Maldição Proferida, eu vos conjuro!
Ó vós, Praga Rogada, eu vos conjuro!
Ó vós, Violência do Inimigo, eu vos conjuro
Ó vós, Roubos e Assaltos, eu vos conjuro!
Ó vós, Rancor Nefasto, eu vos conjuro!
Ó vós, Mau Olhado, eu vos conjuro!
Ó vós, Espíritos Perturbadores, Inimigos e Hostis, Visíveis e Invisíveis,
Seja Fogo Vivo ou Fogo Morto,
Eu vos conjuro para que queimem Aqui e Agora nesta Queimada!
Esta, que é feita com aguardente, mel e ervas mágicas,
Tomai e Bebei, pois estas ervas são boas para ti, estas para ti as tome,
E que ao beber esta Poção,
Sejamos livres de todos os males de nosso Corpo, de nossa Alma e de nossa Vida!
E assim como nós aqui presentes,
Que sejam também libertos, bentos, protegidos e abençoados
Todos os nossos Amigos que estão fora,
Mas que com a Graça de nossos Deuses, participam conosco desta Queimada!"

( seguem-se gritos de alegre algazarra )

Citei no conjuro os termos "Fogo Vivo e Fogo Morto". Em Bruxaria Portuguesa, refere-se à origem de um dado mau que a vítima sofre: se for advindo de energias nefastas da inveja, do mau olhado e do mau querer de alguém que lhe deseja mal, é Fogo Vivo, pois se trata de um mal enviado por pessoa viva; e se for advindo de energias emanadas por espíritos desencarnados, fantasmas, que perturbam através de assombrações, e mesmo através de feitiços de destruição ( onde tais espíritos são empregados, para se causar mau a alguém ), aí se denomina Fogo Morto.

E quando me refiro a "coisa arriada, coisa feita, coisa enterrada, coisa aguada, coisa queimada, coisa soprada, coisa dita e maldita, coisa amaldiçoada", o termo "coisa" é usado pra designar seja lá que tipo de rito, feitiço ou malefício que tenha sido feito, em qualquer dos elementos da Natureza.

Bendiciones delos Dioses Nuestros!!!

Matubuta tei

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domingo, 6 de dezembro de 2009

A Queimada: Feitiço e Magia das Bruxas Galegas



Slania tei!

A Galiza é uma região repleta de tradições milenares, localizada a noroeste da Península Ibérica. As primeiras ondas de imigração céltica chegaram no local há 3000 anos, e desde então, fincaram fundas raízes nesta terra. É de Galiza que partem os celtas brigantes, liderados pelo Rei Breogán ( lembrado até hoje no Hino Nacional Galego ) rumo às ilhas avistadas ao norte, desde a Torre de Brigantia ( atual Coruña ). É a conquista de Irlanda, lembrada no Léabhar Gaballa Érinn.
Sendo assim, a alma castrexa, própria dos galegos, possui a marca dos Ancestrais Druidas, das Meigas ( Bruxas Galegas, cujo nome vem do vocábulo "Maga" ), dos Velhos Deuses, da Magia dos Antigos...E é dessa Magia Ancestral, herdada geração após geração, que nos vem a tradição da Queimada.


Segundo estudos na área, a tradição da Queimada remonta a práticas rituais das Candelárias ( Inbolc ), associadas ao culto a Bríghida ( Brígit ), Senhora do Fogo, dos Ofícios e da Medicina, A Grande Alquimista. É muito popular o uso da queimada como um remédio dado às mães para beberem quarenta dias após o parto, afim de que não se resfriem nem sofram de males outros. É um costume, pelo que observei, presente nas famílias de várias regiões do Brasil. Minhas antepassadas espanholas também se serviam de tal prática. Também me foi relatada tal prática mágica em Famílias de amigos meus, tanto de portugueses quanto de descendentes de italianos. Há uma lenda que diz que Santa Brígida ( a cristianização da Deusa Bríghida ) teria sido a Parteira da Virgem Maria.....como as parteiras geralmente são as conhecedoras dos remédios próprios para as parturientes, me chamou a atenção um detalhe: a Festa de Santa Brígida ( Inbolc, Festa de Bríghida ) ocorre no hemisfério norte, em 2 de Fevereiro...exactamente quarenta dias após o Natal.....

Há inúmeras variações da queimada, tendo cada família ( ou cada pessoa ) uma receita particular....mas o processo básico é o mesmo:

Ingredientes:

Um litro de cachaça;

Duas xícaras de açúcar;

Grãos de café ( 8 ou 9 ), substituíveis por cravos-da-índia;

Uma colher de sopa de casca de limão e/ou de laranja ( o limão é lunar e a laranja é solar...isso dá margem para múltiplas interpretações.....vai de cada um.... );

Algumas ervas e especiarias, como louro em pó, canela em pó, gengibre em pedacinhos, alecrim, arruda ( 1 galhinho só ) ou artemísia.

ATENÇÃO: Mulheres grávidas ou amamentando devem evitar a queimada, principalmente as primeiras, pois algumas ervas, associadas com bebida alcoólica, cambiam em abortivos perigosos.

Modo de fazer:

Numa panela de pedra ou barro, coloque açúcar e leve ao fogo, pra esquentar um pouco. Coloque todos os demais ingredientes ( menos a cachaça ). Ao acrescentar os grãos de café ( ou cravos-da-índia ), coloque um em nome de cada cidade santa dos antigos galegos, donde vem a tradição da Queimada: um por Mondoñedo, um por Betanzos, outro por Tuy, um por Coruña, por Ourense mais um, outro por Lugo e o derradeiro por Compostela. Pode-se colocar mais um pela tua cidade natal e, caso esteja fora dela, um a mais, em nome da cidade onde estiver. Depois de acrescidos todos os elementos, apague o fogo. Espere uns 15 minutos. Coloque a cachaça na panela e um pouco no cucharón ( é como mi madre o chama, mas comumente é chamado no Brasil "concha", que se usa pra pegar feijão na panela ) junto com um pouquinho de açúcar. Acenda o fogo no cucharón ( se estiver na casa de outra pessoa, é o dono(a) da casa que tem de acender, pois é dele as chaves da casa, que representam quem mantém os Lares ali ). Leve o cucharón em chamas à panela, acendendo a poção ( acende-se o fogo dentro da panela ). Mexa então a poção, dizendo o Conxuro ( Conjuro ) da Queimada em galego:

CONXURO DA QUEIMADA
( Em Galego )

Mouchos, curuxas, sapos e bruxas.
Demos, trasgos e diaños,
espíritos das neboadas veigas.
Corvos, píntegas e meigas:
feitizos das menciñeiras.
Podres cañotas furadas,
fogar dos vermes e alimañas.
Lume das Santas Compañas,
mal de ollo, negros meigallos,
cheiro dos mortos, tronos e raios.
Ouveo do can, pregón da morte;
fuciño do sátiro e pé do coello.
Pecadora lingua da mala muller
casada cun home vello.
Averno de Satán e Belcebú,
lume dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
muxido da mar embravecida.
Barriga inútil da muller solteira,
falar dos gatos que andan á xaneira,
guedella porca da cabra mal parida.
Con este fol levantarei
as chamas deste lume
que asemella ao do Inferno,
e fuxirán as bruxas
a cabalo das súas vasoiras,
índose bañar na praia
das areas gordas.
¡Oíde, oíde! os ruxidos
que dan as que non poden
deixar de queimarse no augardente
quedando así purificadas.
E cando este beberaxe
baixe polas nosas gorxas,
quedaremos libres dos males
da nosa alma e de todo embruxamento.
Forzas do ar, terra, mar e lume,
a vós fago esta chamada:
se é verdade que tendes máis poder
que a humana xente,
eiquí e agora, facede que os espíritos
dos amigos que están fóra,
participen con nós desta Queimada.

CONJURO DA QUEIMADA
( Em Português )

Mochos, corujas, sapos e bruxas.
Demônios, trasgos e diabos,
espíritos dos enevoados campos,
Corvos, salamandras e Bruxas:
feitiços das curandeiras,
Podres tocos de árvores furados,
lar dos vermes e bestas
Fogo das Santas Companhas,
mau-olhado, negros feitiços,
cheiro dos mortos, trovões e raios.
Uivar do cão, pregão da morte;
focinho do sátiro e pé do coelho.
Pecadora língua da má mulher
casada com um homem velho.
Averno de Satã e Belzebu,
fogo dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
mugido do mar embravecido.
Barriga inútil da mulher solteira,
falar dos gatos que andam no cio,
cabeleira porca da cabra mal parida.
Com este fole levantarei
as chamas deste fogo
que se assemelha ao do Inferno,
e fugirão as bruxas
a cavalo, montadas em suas vassouras,
indo-se banhar na praia
das areias gordas.
Ouvi, ouvi! os rugidos
que dão as que não podem
deixar de se queimar na aguardente
ficando assim purificadas.
E quando este beberagem
baixe pelas nossas goelas,
ficaremos livres dos males
da nossa alma e de feitiço tudo.
Forças do ar, terra, mar e fogo,
a vós faço esta chamada:
se é verdade que tendes mais poder
que a humanas pessoas,
aqui e agora, fazei que os espíritos
dos amigos que estão fora,
participem conosco desta Queimada!

Ainda na confecção, fica um detalhe: na hora em que o fogo arder em meio ao conxuro, todos os presentes devem se concentrar em queimar e banir aquilo que não mais se quer em suas vidas. Se a quantidade de pessoas permitir, há um antigo costume do norte de Portugal, que ensina que todos os presentes devem mexer um pouco a Queimada, concentrando-se nas chamas para que queimem os males todos de suas Vidas....

Depois de conjurar a Queimada, tapa-se a panela ( ou deixa-se queimar até apagar ). Antes de beber, cada um fará seus pedidos, daquilo que querem atrair para suas vidas. Fazer a Queimada, por si, é um ritual de purificação da casa, que fica impregnada pelo perfume das ervas e especiarias.....e beber a Queimada é, por si, um ritual de purificação do corpo e da alma.....na Festa de Bríghida, conjurar a Queimada é se conectar à essência da Deusa do Trabalho ( que nos provê dos frutos e das ervas presentes na Poção ), da Cura ( propiciada pela Queimada ) e da Poesia ( presente no Conxuro )......é uma celebração de Alegria, Beleza e Magia!


Dedico este artigo a minhas Ancestrais españolas e todos os meus antepassados, que legaram essa Tradição...
A Nilce, Foster e a todos os mais irmãos meus, de sangue e de alma, companheiros de Queimada, com quem conjurei, conjuro e conjurarei...
A Marcílio Diniz, o querido Bardo de Ypuarana, cuja inspiração é Abençoada...
E a minha querida Iony Ming, Madrinha desse artigo, pois foi a que me impulsionou a escrevê-lo há um tempão...muchas gracias cariño! ^^


Bendiciones com a Luz das Candelárias de Bríghida!


Matubuta tei

/|\

domingo, 7 de dezembro de 2008

Bruxas Beatas, Santas Feiticeiras: Cristianismo e Paganismo na visão das Bruxas Tradicionais...


Salud a todos!

Vendo um tópico em uma comunidade virtual voltada à Bruxaria Tradicional, me chamou a atenção um debate que surgiu sobre Bruxas cristãs...e a incompreensão de alguns frente a este termo, que parece ser tão contraditório para alguns....

Me veio à mente a figura de Marta: santa católica, parente de Cristo, tida como protetora das Cozinheiras, Feiticeiras e Ervoeiras...e a imagem dela sempre me saltou à vista como a de uma típica Bruxa: acompanhada de seu familiar, o dragão.

Há muitos encantamentos medievais onde Santa Marta é invocada, como este de uma Feiticeira das Ilhas Canárias, Catalina Del Castillo:

"Marta, Marta, la que los vientos levanta
la que los Diablos encanta
la que guiso los vinos a los finados, la que quitó los dientes a los ahorcados
La que desenterró los guessos a los enterrados
La que con Doña María de Padilla trato y conversso
La que los nueve hijos pario y todos nueve se le desminuyeron...
Asi como esto es verdad, me bayas al coraçon de Bartolomé Guerra y me le quites tres gotas de sangre donde quiera que estuviere melo traygas presto corriendo volando donde yo Margarita estoy assi me lo amarres y amanses y me le pongas el amor en su coraçon, paraque me quiera, y en su memoria me tenga que no me pueda olvidar de noche ni de dia donde quiera que estuviere, para que ninguna mujer donde quiera que estuviere no tenga sosiega ni pueda comer ni dormir sino fuere conmigo ni pueda tener otra mujer"

E foi pensando em Marta e seus conjuros medievais, assim como nas Ancestrais Feiticeiras que, assim como eu, vêem nela uma guia e protetora, que respondi ao tópico, lembrando que uma Bruxa é antes de mais nada Herética por Natureza e definição: alguém que pensa e decide por conta própria.

E há várias formas de se vivenciar aquilo que se nomeia Bruxaria, dentro dos caminhos antigos e tradicionais.

A Europa Medieval viu o surgimento de cultos sincréticos envolvendo crenças, mitos, ritos e valores do Velho Paganismo sincretizados com o Catolicismo Romano. Isso sempre foi forte em muitas linhagens de Bruxas hereditárias. As culturas se mesclam, se fundem: é antropológico!

Temos que lembrar que aqui não estamos falando de Wicca, e sim de Bruxaria Tradicional: anterior às idéias de Mr. Gardner.

Muitos covens existiram ( e ainda existem ) ao redor de igrejas espalhadas pelo Velho Mundo....Muitas Bruxas hereditárias, no desejo de ver assegurada a continuidade de suas linhagens, longe de perseguições promovidas pelas inquisições ( oficiais ou não ), trataram de mesclar e sincretizar elementos materiais e simbólicos de suas tradições familiares com simbolismos, mitos, ritos e crenças do catolicismo ( até porque, muitos destes são adaptações de antigas práticas e costumes pagãos ).

E temos de lembrar também que ser Bruxa( o ) é uma condição existencial: não uma opção religiosa. Alguém pode até optar em ser pagão....mas ser Bruxo é outra história...

E assim sendo, o que se passa em Famílias de Bruxas tradicionais vai além de diferenças entre visões de Mundo cristãs ou pagãs...há o Ofício, a Arte Feiticeira...a Herança dos Avós...

Muitos divagam sobre um suposto "purismo" de práticas e conceitos dentro de uma "Bruxaria Tradicional" vista apenas como "pagã" e alheia a quaisquer influências culturais externas...utopia.

Facto é facto: as culturas se mesclaram SIM! É isso o que aconteceu. É isto que é facto, e não uma Ilha de Avalon esperando ser encontrada por trás do véu....lendas à parte ( e todas as lendas tem um pé na realidade, incluindo a de Avalon ), a Magia praticada pelas Bruxas medievais e os seus atuais descendentes, possui sim elementos sincretizados. é um corpo de conhecimento vasto, que "vareia" a cada grupo, a cada Família, a cada praticante....

Eu sou pagão, tenho uma visão espiritual pagã, vejo e sinto o Divino assim como meus Ancestrais pagãos...como pagão, venero e honro a memória de meus Ancestrais, tenham tido eles o credo que for....o que nos une é muito maior do que o que nos separa, e nesse sentido, se eles foram cristãos, pagãos, ateus, ou mesmo tenham sido partidários de um “mezzo-a-mezzo” ( como eu sou, rsrs ), ÓTIMO!!! Um verdadeiro Bruxo Tradicional sabe que o que importa mesmo é aquilo que herdou; aquilo que funciona; e aquilo que cabe à circunstância presente.

Outra coisa que vale lembrar é que as várias linhas de Bruxaria Tradicional possuem suas raízes não em antigos Cultos Públicos Pagãos: mas sim em Cultos Domésticos e Cultos de Mistérios. Cultos de Mistérios se tornaram Sociedades Secretas. E Cultos Domésticos evoluíram para Bruxaria Hereditária. E é comum muitas dessas linhas mais tradicionais não se identificarem com nenhuma religião em específico, vendo-se mais como um Ofício prático, adaptável, onde encontramos elementos culturais idiossincráticos à região e à época de cada grupo e/ou praticante.

Sendo assim, muitos Santos católicos passaram a representar antigas potências Divinas.....o culto a determinados santos, por ter sido instituído em substituição ao culto de Deuses antigos ( tendo inclusive igrejas em sua homenagem erigidas sobre antigos santuários pagãos ), passou a ser guardado por famílias inteiras de Bruxas....e muitos Covens se formaram ao redor de tais cultos....beatas acima de qualquer suspeita se reuniram nas igrejas durante séculos.........e em suas orações, murmuradas, quase inaudíveis, muitos feitiços foram conjurados....Seja em nome de Cristo, da Virgem ou dos Santos...seja em nome de Deuses adorados por seus antepassados....

“Marta Ervoeira
Santa, Feiticeira,
Marta de Penaguião
Pelo agouro de Vosso Corvo
E pelas Chamas de Vosso Dragão
Traga fulano acá rendido
Pelas penas perseguido
Por Vosso Poder aguilhoado,
Amansado, amarrado e vencido.

Padre Nosso....”

( a imagem eu copiei do blog de Márcia Frazão, onde ela postou a receita do Bolo de Santa Marta, e conta suas experiências feiticeiras.... ). Eis o link do blog:

http://www.marciarfrazao.blogspot.com/

Bendiciones de Martha!

Texto de: Raven Luques McMorrigú.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Drusuna - A Senhora da Floresta...


Salud!
Desde pequeno sinto uma familiaridade espantosa com matas e arvoredos....onde quer que haja um parque, um jardim mínimo que seja, lá estou eu, pois sempre dei preferência aos locais onde o verde viceja....
Também sempre fui dado mais à introspecção, a ouvir mais o que meu interior diz do que às informações irritantemente bombardeadas por fora....e preferi muito mais, em toda a minha Vida, a companhia de árvores e animais à das pessoas.....pois os irmãos da Floresta sempre me disseram muito mais, inclusive porque eles não falam: eles dizem!
Segundo o Helenismo, sou filho de Ártemis, também conhcida como Diana: a Senhora da Floresta, da Caça, a Pótnia Theron ( Senhora dos Animais ), Deusa de carácter introspectivo e arredio, a viver entre as árvores....
Não foi surpresa alguma me deparar com Drusuna, quando descobri qual das Deidades de meus Ancestrais me regia.

Segundo estudiosos como J.Mª Solana Sainz e Liborio Hernández, o teônimo Drusuna vem do indo-europeu "drutos", radical "deru-", "dru-", significando "Carvalho". Esse teônimo foi encontrado em duas inscrições em San Esteban de Gormaz, Soria, Espanha. É portanto, uma Deidade associada à Terra, às Árvores, a ritos realizados em bosques. A associação com o Carvalho remete aos Druidas, no que Drusuna é a Senhora da essência do Carvalho: a Essência da Vida e da Sabedoria.

Desde que me descobri como filho de Drusuna, compreendi o porquê de sempre me sentir em casa quando estou entre as árvores....o porquê de eu nunca sentir medo ou receio algum ao perambular por entre as matas, por mais fechadas, escuras e desconhecidas que sejam.....e o porquê de eu sempre voltar de tais lugares renovado: abençoado, renascido....tocado pela Sabedoria da Senhora do Bosque, inspirado pela Ciência guardada pela Ancestral Memória das Árvores....

"Por entre as Árvores habita o Saber
Sussurrado entre as folhas do Velho Carvalho,
Salve Drusuna a Quem estou a ver
Coberta de musgo e brilhante orvalho.

Cervos e Lobos ouvem o Seu chamado
Abençoada Senhora da Floresta!
Bruxas e Fadas no Círculo Sagrado
Dançam e Te saúdam em alegre Festa!

DEVOTIO DRVSVNA DEA SILVANA
EX ARBORIS ADVENIAT SAPIENTIA
SALVE DEA DIANA DRVSVNA
Nos dê a Seiva de Vossa Ciência!

Janas e Dianos por entre as folhas
É a sombra do Negro Guardião das Pedras
Que afasta os olhos maus e profanos
E guarda os coroados de verdes hedras.

Dançam alegres e antigas crianças
Dos cornos vertem oferendas d'Amor
Por entre os Carvalhos ecoa a esperança
De velhos ritos, um novo ardor!

DEVOTIO DRVSVNA DEA SILVANA
EX ARBORIS ADVENIAT SAPIENTIA
SALVE DEA DIANA DRVSVNA
Nos dê a Seiva de Vossa Ciência!"

DEVOTIO DRVSVNA - Raven Luques McMorrigú.

Bênçãos da Senhora da Floresta!

Texto de: Raven Luques McMorrigú.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Solstício de Inverno: o Reinado da Cinzenta e o Renascimento do Sol...


Saudações castrexas!

Daqui a dois dias ocorrerá um dos momentos mais importantes do Ano: o Solstício de Inverno. O ápice do Reinado de Cailleach ( ou Galeg ), La Vieja Grisa, a Ancestral mítica dos galegos e escoceses, Deusa Anciã que rege o Inverno, o fenecimento, a parada, a morte e o congelamento. É ela que leva a seiva vital a se concentrar nas raízes, até que o Bastão de Poder volte às mãos de Briga: a Senhora do Fogo, que trará consigo a purificação e a esperança de dias mais cálidos e amenos...

O Vento do Inverno, que sopra do Norte ( no nosso caso aqui no Brasil, sopra do Sul ), cujo embate é certeiro sobre as planícies, varrendo todo o restante de Vida que ainda ali se mostra, que castiga furiosamente as aldeias e montanhas, vales e penhascos....que faz o Mar e o Céu se transmutar em uma única realidade cinzenta, que ruge imperiosa, em ventos cortantes a surrar portas e janelas....anunciando a chegada do recolhimento e da introspecção invernal, no ponto mais crítico da Vida....é o Sol que se distancia mais e mais da Terra......é o verde que desaparece debaixo da neve branca, que não pára de se acumular.....é o fim do reinado do Deus Verde e da Senhora da Vida....é o soar da trompa de caça do Caçador Negro....o sibilar do vôo da Cinzenta, cujo Vento traz consigo a neve.....é o sangue do Caçado derramado ao chão, a brilhar fortemente rubro sobre o branquíssimo gelo....é o vôo do Corvo, arauto da Senhora Badb, fazendo os ciclos se renovarem....Vida e Morte, em eterna Dança, desde Sempre e para Sempre.....

Mas, e aqui no Brasil?

Estamos num país continental....há climas de todos os tipos nessa Terra Abençoada, que acolheu um dia nossos Antepassados ibéricos, que aportaram em várias regiões, desde antes de 1500.....pois sim, esta Terra Brasilis já era visitada muito antes de Cabral....
Aqui na região Sudeste, mais especificamente onde eu moro, entre as montanhas do Vale do Paraíba, o clima tem uma regularidade muito parecida com a do clima europeu, principalmente com o clima ibérico. Talvez com temperaturas não tão intensas, mas temos sim, aqui, quatro estações bem definidas. Sendo assim, onde eu moro, é tranquilamente possível manter ritos dos Ancestrais ( claro, apenas invertendo as datas, por conta das estações trocadas de cada hemisfério ).
Por conseqüência, nessa época em que estou digitando essas linhas, é possível ver o manto cinza de Cailleach nos céus, trazendo consigo o Inverno.....o Vento cortante da Velha do Gelo, a fustigar este Novo Mundo, Vento este que, no nosso caso, sopra da Antártida.....

Mas também é o Tempo do Renascimento do Sol: É o ponto em que o Sol dá a volta pelo Céu e ressurge da aparentemente inevitável queda no Abismo da Morte....é novamente o sangue rubro a brilhar sobre o gelo, mas não o sangue do Sacrificado: é sim, o sangue derramado pela Madre Diosa, ao dar à Luz Seu Filho: O Senhor da Vida! A Criança Solar, símbolo da Esperança.....e conforme a Criança vingar, crescendo cada vez mais forte e bela, dia após dia crescerá a Luz da Vida....a seiva correrá mais veloz pelos galhos, devolvendo a estes o verde d'outrora.....o sangue correrá mais ágil e quente em nossas veias.......

E assim, renasceremos....

Bênçãos de Inverno, llenas de Esperança de um novo Nascimento!

Por: Raven Luques McMorrigú.